Por que a mesquita de Al-Aqsa já foi várias vezes um local de conflito

Coletivo Dinamene
5 min readMay 26, 2021

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Por Ken Chitwood

Publicado em “The Conversation”, em 12 de maio de 2021, às 14:20 EDT.

Esta tradução faz parte da “A questão palestina”.

Tradução por Gabriel Akira, Juliana Kushida, Mariana Mitiko, Maria Victória Ruy, Ana Kinukawa

A violência que se espalhou de Jerusalém para cidades de Israel e dos territórios palestinos, deixando pelo menos 60 mortos até então, tem raízes históricas e contemporâneas.

Nas últimas semanas, a tensão aumentou com o despejo de famílias palestinas em Sheikh Jarrah, Jerusalém Oriental, o bloqueio por autoridades israelenses do acesso à importante Praça do Portão de Damasco durante o Ramadã, e a marcha de milhares de israelenses ultranacionalistas pela cidade em 06 de maio de 2021, em comemoração ao chamado “Dia de Jerusalém”, que marca a captura de Jerusalém Oriental em 1967.

Mas o incidente que de fato levou a uma escalada significativa envolveu as forças de segurança israelenses disparando balas de borracha, gás lacrimogêneo e granadas de efeito moral contra os fiéis reunidos na mesquita de Al-Aqsa em 07 de maio.

Enquanto estudioso do Islã global, eu ministro aulas de introdução ao Islã e incluo uma discussão sobre Al-Aqsa como parte do programa curricular. Isso porque Al-Aqsa tem um significado religioso profundo para os muçulmanos de todo o mundo. Mas, também é importante destacar sua notável relevância política para os palestinos. Esses dois fatos a tornam um ponto focal de conflito.

Mas, também é importante destacar sua notável relevância política para os palestinos. Esses dois fatos a tornam um ponto focal de conflito.

A jornada noturna de Maomé

A mesquita de Al-Aqsa, ou simplesmente Al-Aqsa, significa “a mesquita mais distante” ou “o santuário mais distante”, e se refere à mesquita com domo de chumbo no distrito sagrado de Haram al-Sharif — “o Nobre Santuário”. A área inclui a Cúpula da Rocha, os quatro minaretes, os portões históricos e a mesquita em si.

Mencionada na Sura 17, versículo 1 do Alcorão, a mesquita é ligada à história da “Isra” de Maomé — a “jornada noturna” de Meca a Jerusalém — que em parte o confirma como último e mais fidedigno dos profetas para os muçulmanos. O Alcorão diz que o profeta foi “carregado… pela noite da Mesquita Sagrada [em Meca] para a Mesquita Mais Distante [Al-Aqsa], cujos recintos abençoamos”.

A partir daí, acredita-se que Maomé ascendeu ao céu — chamado Mir’aj. A Cúpula da Rocha — Qubbat as-Sakhra -, dizem, protege a rocha de onde Maomé ascendeu fisicamente.

As origens da mesquita remontam ao século XVII. Foi construída pela primeira vez em 637 d.C., apenas cinco anos após a morte do profeta. Foi destruída, reconstruída e renovada múltiplas vezes.

A construção atual data em grande parte do século XI e hospeda orações diárias e reuniões de sextas-feiras que atraem grandes multidões. Encontra-se adjacente a importantes localidades religiosas judaicas e cristãs, particularmente o Primeiro e o Segundo Templo judaicos.

Por vezes, a Cúpula da Rocha — um santuário — e Al-Aqsa — uma mesquita — foram confundidas como se fossem a mesma coisa. Embora parte do “Nobre Santuário”, são duas construções distintas com histórias e propósitos diferentes.

Contudo, o termo Al-Aqsa é muitas vezes usado para indicar todo o complexo do “Nobre Santuário”. Originalmente, acredita-se que o termo “o santuário mais distante” se referia à Jerusalém como um todo.

Lugar na história islâmica

Depois de Meca e Medina, a vasta maioria dos muçulmanos ao redor do mundo consideram Jerusalém como o terceiro lugar mais sagrado na Terra.

Frequentemente referenciado na tradição islâmica e no hadith — registros de coisas que o Profeta Maomé falou, fez ou tacitamente aprovou -, acredita-se que enquanto estava em Meca, Maomé originalmente orientou os fiéis de sua comunidade a rezar em direção a Al-Aqsa.

Em 622 d. C., a comunidade fugiu de Meca em razão de perseguições, procurando refúgio em Medina e no norte. Após pouco mais de um ano lá, os muçulmanos acreditam que Deus instruiu Maomé a se dirigir de volta a Meca em busca de fiéis. No Sura 2, versículos 149–150, o Alcorão diz “volta tua face em direção à Mesquita Sagrada [a Kaaba em Meca]… onde quer que tu estejas, volta tua face em direção a ela.”

Não obstante, Jerusalém e seus locais sagrados — especificamente Al-Aqsa e a Cúpula da Rocha — permaneceram sendo sítios de peregrinação islâmica por quinze séculos.

O ‘lugar mais suscetível’ a conflito

Dado seu significado sagrado, havia uma grande preocupação com o destino do recinto após a vitória de Israel na Guerra dos Seis Dias (1967) e sua subsequente anexação de Jerusalém Oriental.

Embora Israel tenha concedido jurisdição sobre a mesquita e o complexo a um waqf islâmico — “dotação” — Israel ainda comanda o acesso ao território e as forças de segurança regularmente patrulham e realizam buscas dentro do distrito. Sob a Lei de Proteção dos Lugares Santos, o governo israelense também permitiu a entrada de diferentes grupos religiosos — como peregrinos cristãos.

Muitos israelenses respeitam a santidade do lugar como o local mais sagrado do judaísmo. Em 2005, o rabinato central de Israel disse que é proibido aos judeus andarem no local para evitar entrarem acidentalmente no “Sagrado dos Sagrados” (Holy of Holies) — o santuário interno do Templo, acreditado como a morada de Deus na terra. Entretanto, certos grupos judeus ultraortodoxos polemicamente defendem o acesso e controle mais amplos do local, buscando recuperar o Monte do Templo, a fim de reconstruí-lo.

Descrito como “o local mais sensível do conflito israelo-palestino”, frequentemente tem sido palco de atos políticos.

Por exemplo, em agosto de 1969, um cristão australiano chamado Dennis Michael Rohan tentou incendiar Al-aqsa, destruindo o minbar — ou “púlpito” historicamente significativo e intrincadamente esculpido de Saladino, uma peça de arte islâmica valiosa.

Em 28 de setembro de 2000, o líder da oposição israelense Ariel Sharon e uma delegação escoltada por centenas de tropas de choque israelenses entraram no recinto. Isso gerou protestos e uma violenta repressão por parte das autoridades israelenses, ocasionando diversas vítimas. Muitos muçulmanos em todo o mundo consideraram isso um “sacrilégio” da mesquita sagrada, e o evento ajudou a desencadear a Segunda Intifada, ou levante palestino.

As tensões se elevaram novamente depois de um ataque a Yehuda Glick, um controverso rabino de direita, no outono de 2014. Em resposta, as autoridades israelenses fecharam o acesso a Al-Aqsa pela primeira vez desde 1967. Em março e abril daquele ano, a polícia israelense usou gás lacrimogêneo e granadas de efeito moral contra os palestinos dentro de Al-Aqsa, gerando protestos internacionalmente.

Numerosos outros incidentes entre as forças israelenses e fiéis ocorreram em Al-aqsa nos últimos anos.

O acesso controlado ao local relembra os palestinos de sua relativa impotência em suas disputas territoriais em curso contra as autoridades israelenses. Ao mesmo tempo, os ataques em Al-Aqsa ressoam entre os muçulmanos ao redor do mundo, que reagem com horror ao que consideram a profanação de um de seus locais mais sagrados.

Defender Al-Aqsa e lutar pelos direitos de acessá-la, eu argumento, se tornaram “conflitos por procuração” (proxy conflicts) tanto para as reivindicações palestinas quanto para a necessidade de defender o Islã como um todo.

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